ABC para construção de ciclovias

A de Adolf Hitler

B de Berlim

C de Carros


O Ano é 1934. Adolf Hitler já tinha chegado ao poder pelo Partido Nacional-Socialista. Neste mesmo ano, ele tornou obrigatório o uso das ciclovias, sob pena de punição para os ciclistas.

Ciclovias já vinham sendo usadas para melhorar o caminho dos ciclistas desde o final do século XIX. Já por volta de 1860, o Cyclist Touring Club, da Inglaterra,e a League of American Wheelmen reivindicavam ruas com melhor superfície para pedalar.

De fato, antes da política nazista, ciclovias eram melhoramentos feitos em parte da rua, para que os ciclistas não sofressem tanto com buracos e trepidações (era época das bicicletas bonneshaker, penny-farthing, sem pneus de borracha e outras melhorias que só surgiram em meados do século XX). Também haviam ciclovias feitas nas regiões rurais, como incentivo ao turismo.

Por volta dos anos 20, com a crescente indústria do automóvel, cresceu por toda a Europa a pressão para tirar os ciclistas das ruas e favorecer o fluxo dos carros, conforme mostra esta citação, registrada no First Dutch Roads Congress:

After all, the construction of bicycle paths along the larger roads relieves traffic along these roads of an extremely bothersome element: the cyclist.

Afinal, a construção de ciclovias ao longo das ruas principais elimina destas mesmas ruas um elemento extremamente incômodo: o ciclista.

Propagandas dos governos e das entidades de motoristas anunciavam as ciclovias como pró-ciclistas, e pela primeira vez empregaram o argumento da “segurança” para obrigar os ciclistas a usá-las.

Cartaz nazista de 1934.
O título diz: “Ciclovias evitam acidentes de trânsito”

Porém, até 1970, não há registro de reinvindicação de ciclovias, por parte de ciclistas, alegando motivos de segurança.

Em 1926, o uso da ciclovia foi tornado obrigatório, numa Alemanha já fortemente nazista – Hitler publicou Mein Kampf em 1925 e em 1926 foi fundada a Juventude Hitlerista.

Pela segregação, alegava-se também a necessidade de um “controle apropriado do tráfego”.

Em 1930, as primeiras ciclovias na Holanda foram construídas pela ANWB – uma associação de donos de automóveis.

Durante a Segunda Guerra, sob ocupação nazista, o uso de ciclovias foi tornado obrigatório na Holanda.

Na Alemanha Nacional-socialista, a construção de ciclovias tornou-se integrada à propaganda do Estado e do Partido Nazista como pré-requisito para ampliação do tráfego motorizado. Esta política foi apoiada pelo Nationalsozialistische Kraftfahrer-Korps (NSKK) (Corporação Nacional-Socialista dos Motoristas) e pelo Automóvel Clube da Alemanha – Der Deutsche Automobil-Club (DDAC).

Em 1º de outubro de 1934, de acordo com o Reichs-Straßen-Verkehrs-Ordnung (RStVO) – e na mesma linha de segregação e limpeza étnica promovida pelo Führer – para justificar a “limpeza das ruas”, cavaleiros, pedestres e ciclistas foram classificados como cidadãos de segunda categoria.

Juventude hitlerista - Youth Hitler

Fontes:

Geschichte der Radfahrwege (o mesmo texto em inglês, pode ser lido aqui History of cycle tracks, e a tradução em português, aqui)
Automobilverbände bestimmen Fahrradpolitik
A History of Cycle Paths


[.]

4 comentários em “ABC para construção de ciclovias

  1. Atualmente as cidades com alto uso de bicicletas contam com estrutura segregada. A criação de ciclofaixas em Nova Iorque resultou em aumento substancial do número de usuários da bicicleta. Vias segregadas bem projetadas favorecem a percepção de segurança e a segurança em si. E tornam a bicicleta um veículo para todas as idades e condições.
    Em cidades pequenas, onde o anonimato é difícil e a quantidade de pessoas circulando em bicicletas é alto, a convivência é harmônica nas vias de baixa velocidade. A reprodução dessas condições em grandes centros pode ser algo muito complexo, mas é indicativo de que muitas vias possibilitam a circulação conjunta sem problemas.
    Reivindicar ciclovias por parte de quem usa bicicleta não torna ninguém nazista, mas também não se pode aceitar o condicionamento à circulação de bicicletas à existência de ciclovias, como querem alguns espertos carrófilos.
    Recomenda-se o blog de David Hembrow, que faz contrapontos muito interessantes entre as condições da Holanda e do Reino Unido. A associação entre a existência de uma infraestrutura cicloviária, integrada em si e com o viário geral, à ideologia nazista, em nada parece contribuir para o fomento ao uso da bicicleta nos dias de hoje.

    1. Excelente contraponto. Obrigado!
      Como a história é feita de contradição, a construção de ciclovias, embora seja política dissimulada de favorecimento aos motorizados (hoje o argumento mudou para “melhor não mexer com os carros”), ciclovias podem trazer em si o germe que vai mudar o sistema, sim. A Holanda conseguiu fazer isto. Mas para que o sistema mude, é preciso saber quais forças de interesse estão verdadeiramente por trás. Para isto, particularmente, acho que a história pode dar boas lições.
      Neste sentido, minha intenção foi: 1) trazer para o português informações só disponíveis em outras línguas; 2) mostrar que há uma história por trás das ciclovias, e que esta história não é tão bonita como alguns ciclistas querem, e que a história se repete – ou melhor, que algums práticas são incorporadas como ideologia. Veja bem: não é que alguém será nazista ao reivindicar ciclovias; os nazistas levaram ao ápice uma ideia que foi do agrado deles. De fato, a construção de ciclovias para tirar os ciclistas das ruas nasce com a indústria do automóvel.
      Hoje, não acredito que possa haver verdadeira política de favorecimento às bicicletas sem haver política de forte desestímulo aos carros. Contudo, o que tenho notado, infelizmente, é que muitas vezes, ciclovias são o ópio do ciclista – esta expressão não é minha, mas do Prof. Volker Briese.

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