bicicletas – aus Deutschland!

Saindo da Inglaterra, vamos até a Alemanha, onde haverá eleições em breve.
Em meio aos esperados debates sobre economia, crise do euro, guerra e imigrantes, um fato foi destaque na reta final das eleições alemães:

Sim, a bicicleta virou centro das atenções quando Angela Merkel abriu a Eurobike, maior feira de bicicletas da Europa.
A primeira vez que a feira foi aberta por um chanceler (Kanzler, feminino Kanzlerin), chefe de governo da Alemanha.  Muita gente achou que foi uma jogada política, ao ponto da revista Der Spiegel ironizar “o súbito amor da chanceler pelas bicicletas”.

(videoreportagem sobre a ida de Merkel à Eurobike – uma parte do video mostra Barack Obama andando de bicicleta ;-))

Na mesma linha, a revista Bike BIZ afirmou que, alinhando com as bicicletas, Merkel estaria buscando melhorar suas ecocredenciais (algo como conquistar o voto verde).

Mas o setor de bicicleta europeu não falou de outra coisa. A revista BikeEurope diz que ela roubou o show com um  discurso marcante. E a Federação dos Ciclistas Europeus – ECF  ficou eufórica: “foi um grande dia para a defesa e o incentivo das bicicletas”.

Angela Merkel fez um discurso ao mesmo tempo espirituoso e sério. Foi engraçado, por exemplo, no momento que lembrou de sua bicicleta ‘roubada’, quando ela era jovem, por soldados soviéticos que tinham bebido muita cerveja: “Eu superei essa experiência e, ao contrário do que dizem, não afeta as minhas relações com a Rússia.”

A chanceler citou um dos primeiros fabricantes de bicicletas na Alemanha, Adam Opel:

Bei keiner anderen Erfindung ist das Nützliche mit dem Angenehmen so innig verbunden, wie beim Fahrrad.
Em nenhuma outra invenção a utilidade está tão intimamente ligada com o prazer, como na bicicleta.

Opel começou fabricando máquinas de costurar. Em 1866, passou a fazer bicicletas e, por um período, foi o maior fabricante alemão. Após usa morte, em 1895, os herdeiros começaram a se interessar pela fabricação de automóveis. Houve festa de despedida quando a última bicicleta Opel foi fabricada, em 1937:

“Quem quer ter uma ampla concepção de transporte, hoje em dia, necessariamente precisa incluir a bicicleta.” Disse a mulher mais poderosa do planeta. E acrescentou: “A Alemanha não é apenas uma nação de carros, é também o país das bicicletas”.

Angela Merkel afirmou que o uso do capacete não deve ser obrigatório – o que despertou a indignação da indústria de capacetes, que é financiada pela indústria de automóveis para alimentar o medo de andar de bicicleta, conforme mostra este video Copenhaguenize.

Argumentando que “bicicletas devem ter as mesmas oportunidades que carros”, Angela Merkel falou sobre o Nationaler RadVerkehrsPlan – NRVP (ao pé da letra = Plano Nacional do Trânsito de Bicicleta, mas em português é mais comum plano cicloviário), que seu governo desenvolveu para trazer de volta o uso de bicicletas na Alemanha a níveis mais elevados. Até 2020, o governo alemão quer aumentar o uso de bicicletas nas cidades para 15% de todas as viagens até 5 quilômetros. Atualmente situa-se em cerca de 5%.

Tive curiosidade e fui conferir o que o governo alemão está pensando sobre bicicletas.
[Ah, não prestou não… fiquei deprimido por morar no país do jeitinho e da cordialidade]

Veja alguns gráficos tirados do Nationaler RadVerkehrsPlan:

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Uso de meios de transporte, tomando por base o ano de 2002. O uso das bicicletas (Fahrräder), linha laranja, subiu vigorosamente, seguidas pela caminhadas (zu Fuss), laranja claro, e transporte público (OPV). O uso do carro estacionou e, considerando transporte de passageiros (MIV-Mitfahrer), caiu 5%.

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Frota de bicicletas (Fahrrad) e automóveis (PKW) na Alemanha, em milhões de unidades.
Embora não exista estatística alguma, dizem que no Brasil a relação é a mesma, quase 2 bicicletas para cada automóvel. Mas lá, a população é de 80 milhões, e o Brasil tem 200 milhões de habitantes – ou seja, a mesma frota absoluta, mas para uma população 2,5 vezes menor = o que significa muito mais bicicletas por habitantes, na Alemanha.

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A diferença começa aqui. Entre 1996 e 2011, caiu mais de 10% a quantidade de jovens com carteira de motorista (Führerscheinbesitz), gráfico à esquerda. E o número de jovens, 18 a 35 anos, que compram carros também está caindo (gráfico da direita).

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Este gráfico é fantástico!!! Mostra o uso dos principais meios de transporte em razão da distância, cumulativamente. Nota-se que até 1 km, andar a pé é a principal forma de locomoção. Entre 1 e 10 km o uso da bicicleta torna-se exponencial. Como o gráfico é cumulativo, sabemos que praticamente todos os deslocamentos a pé são feitos até 7,5 km (quando a linha laranja claro toca o eixo 100%). De bicicleta, os deslocamentos se concentram entre 1 e 10kms, até no máximo 25km (linha laranja toca os 100%)

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Este gráfico compara o número de ciclistas mortos (getötet), feridos (leichtverletzt) ou seriamente feridos (scherverletzt), tomando como base o ano de 2000. Até 2008 houve um aumento dos ferimentos leves, os ferimentos graves reduziram um pouco e os ciclistas mortos diminuíram significativamente, tendo atingido 40% menos em 2010. Mas… em 2011 houve um aumento considerável de ferimentos leves, graves e mortes de ciclistas. Por que? Acho que o gráfico abaixo responde:

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A venda de “bicicletas” elétricas disparou desde 2011! Na verdade,  “bicicletas elétricas” são motos disfarçadas de roupagem ecoverde, e como acontece com as motos, a velocidade traz mais perigo – e feridos e mortos.

Por fim, o que me enterrou de vez no poço sem fundo verde-amarelo foi a quantidade de rotas de cicloturismo que cortam a Alemanha de norte a sul e leste a oeste, mostradas no RadVerkehrsPlan:

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Sim, eu já sabia que as rotas existiam. Meu sonho de cicloturismo é fazer a rota do Reno, Rhur e Donau (número 8), dos Alpes até a fronteira com a França. Ou a Rota Romântica (9), de Würzburg a Füssen.

Se você quer saber mais sobre viagens de bicicleta na Alemanha, visite a página oficial de cicloturismo do país.
O governo alemão tem uma página exclusiva na internet só para cicloturismo! E não apenas isto, mas inclui o cicloturismo no seu Plano Cicloviário Nacional. E poderia ser diferente?

Aqui – como não há plano cicloviário – o Plano Nacional de Turismo 2013-2016 brasileiro nem lembra que bicicleta existe…

Confessei lá em cima: entro em depressão ao lembrar que minha contingência existencial é estar no Brasil. Mas me apego ao que diz o filósofo Léo Pimentel: o acaso d’eu ter nascido no Brasil não faz de mim um brasileiro.
Por isto fico rotineiramente passeando por outras paragens, um misto de fuga da realidade e utopia, bem aos estilo dos contos de fada – dos Irmãos Grimm, que eram… alemães!

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[foto copiada do RadVerkehrsPlan]

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